O QUE É AFETIVIDADE?

AFETIVIDADE

A afetividade e a auto-estima na relação pedagógica *
Especialista em projetos inovadores na educação presencial e a distância
 
As escolas se preocupam principalmente com o conhecimento intelectual e hoje constatamos que tão importante como as idéias é o equilíbrio emocional, o desenvolvimento de atitudes positivas diante de si mesmo e dos outros, aprender a colaborar, a viver em sociedade, em grupo, a gostar de si e dos demais.
"Os alunos só terão sucesso na escola, no trabalho e na vida social se tiverem autoconfiança e auto-estima. A escola de hoje não trabalha isso", afirma Wong ao sugerir que as instituições de ensino criem cursos de psicologia comportamental em que os alunos possam aprender mais sobre si mesmos. Segundo ele, a autoconfiança só se adquire por meio de auto-conhecimento .
A educação, como as outras instituições, tem se baseado na desconfiança, no medo a sermos enganados pelos alunos, na cultura da defesa, da coerção externa. O desenvolvimento da auto-estima é um grande tema transversal. É um eixo fundamental da proposta pedagógica de qualquer curso. Este é um campo muito pouco explorado, apesar de que todos concordamos que é importante. Aprendemos mais e melhor se o fazemos num clima de confiança, de incentivo, de apoio, de auto-conhecimento. Se estabelecemos relações cordiais, de acolhimento para com os alunos, se nos mostramos pessoas abertas, afetivas, carinhosas, tolerantes e flexíveis, dentro de padrões e limites conhecidos. “Se as pessoas são aceitas e consideradas, tendem a desenvolver uma atitude de mais consideração em relação a si mesmas” .
Temos baseado a educação mais no controle do que no afeto, no autoritarismo do que na colaboração. “Talvez o significado mais marcante de nosso trabalho e de maior alcance futuro seja simplesmente nosso modo de ser e agir enquanto equipe. Criar um ambiente onde o poder é compartilhado, onde os indivíduos são fortalecidos, onde os grupos são vistos como dignos de confiança e competentes para enfrentar os problemas - tudo isto é inaudito na vida comum. Nossas escolas, nosso governo, nossos negócios estão permeados da visão de que nem o indivíduo nem o grupo são dignos de confiança. Deve existir poder sobre eles, poder para controlar. O sistema hierárquico é inerente a toda a nossa cultura”.
A afetividade é um componente básico do conhecimento e está intimamente ligado ao sensorial e ao intuitivo. A afetividade se manifesta no clima de acolhimento, de empatia, inclinação, desejo, gosto, paixão, de ternura, da compreensão para consigo mesmo, para com os outros e para com o objeto do conhecimento. A afetividade dinamiza as interações, as trocas, a busca, os resultados. Facilita a comunicação, toca os participantes, promove a união. O clima afetivo prende totalmente, envolve plenamente, multiplica as potencialidades. O homem contemporâneo, pela relação tão forte com os meios de comunicação e pela solidão da cidade grande, é muito sensível às formas de comunicação que enfatizam os apelos emocionais e afetivos mais do que os racionais.
“O homem da racionalidade é também o da afetividade, do mito e do delírio ( demens) . O homem do trabalho é também o do jogo ( ludens) . O empírico é também o imaginário ( imaginarius) ; o da economia é também o do consumismo ( consumans) ; o prosaico é também da poesia, do fervor, da participação, do amor, do êxtase. O amor é poesia. Um amor nascente inunda o mundo de poesia, um amor duradouro irriga de poesia a vida cotidiana, o fim de um amor, devolve-nos à prosa” . No ser humano, o desenvolvimento do conhecimento racional-empírico-técnico jamais anulou o conhecimento simbólico, mágico ou poético”
A educação precisa incorporar mais as dinâmicas participativas como as de auto-conhecimento (trazer assuntos próximos à vida dos alunos), as de cooperação (trabalhos de grupo, de criação grupal) e as de comunicação (como o teatro ou a produção de um vídeo).
Na educação podemos ajudar a desenvolver o potencial que cada aluno tem, dentro das suas possibilidades e limitações. Para isso, precisamos praticar a pedagogia da compreensão contra a pedagogia da intolerância, da rigidez, a do pensamento único, da desvalorização dos menos inteligentes, dos fracos, problemáticos ou “perdedores”.
Praticar a pedagogia da inclusão. A inclusão não se faz somente com os que ficam fora da escola. Dentro da escola muitos alunos são excluídos pelos professores e colegas. São excluídos quando nunca falamos deles, quando não os valorizamos, quando os ignoramos continuamente. São excluídos quando supervalorizamos alguns, colocando-os como exemplos em detrimento de outros. São excluídos quando exigimos de alunos com dificuldades de aceitação e de relacionamento, resultados imediatos, metas difíceis para eles no campo emocional.
Há uma série de obstáculos no caminho: a formação intelectual valoriza mais o conteúdo oral e textual, separando razão e emoção. O professor não costuma ter uma formação emocional, afetiva. Por isso, tende a enxergar mais os erros que os acertos. A falta de valorização profissional também interfere na auto-estima. Se os professores não desenvolvem sua própria auto-estima, se não se dão valor, se não se sentem bem como pessoas e profissionais, não poderão educar num contexto afetivo. Ninguém dá o que não tem. Por isso, é importante organizar atividades com gestores e professores de sensibilização e técnicas de auto-conhecimento e auto-estima. Ter aulas de psicologia para auto-conhecimento e especialistas em orientação psicológica. Ações para que alunos e professores desenvolvam sua autoconfiança, sua auto-estima; que tenham respeito por si mesmos e acreditem em si; que percebam, sintam e aceitem o valor pessoal e o dos outros . Assim será mais fácil aprender e comunicar-se com os demais. Sem essa base de auto-estima, alunos e professores não estarão inteiros, plenos para interagir e se digladiarão como opostos, quando deveriam ver-se como parceiros.
Para que os alunos tenham certeza do que comunicamos, é extremamente importante que haja sintonia entre a comunicação verbal , a falada e a não verbal , a comunicação gestual, a que passa pela inflexão sonora, pelo olhar, pelos gestos corporais de aproximação ou afastamento. As pessoas que tiveram uma educação emocional mais rígida, menos afetiva, costumam ter dificuldades também em expressar suas reais intenções, em comunicar-se com clareza. Costumam expressar-se de forma ambígua, utilizam recursos retóricos como a ironia, o duplo sentido, o que deixa confusos os ouvintes, sem conseguir decifrar o alcance total das intenções do comunicador.
O professor que gerencia bem suas emoções confere às suas palavras e gestos clareza, convergência, reforço e, geralmente, o faz de forma tranqüila, sem agredir o outro. O aluno capta claramente a mensagem. Poderá concordar ou não com ela, mas encontra pistas seguras de interpretação e formas de aceitação mais fáceis. O professor equilibrado, aberto, nos encanta. Antes de prestar atenção ao significado das palavras, prestamos atenção aos sinais profundos que nos envia, de que é uma pessoa de bem com a vida, confiante, aberta, positiva, flexível, que se coloca na nossa posição também, que tem capacidade de entender-nos e de discordar, sem aumentar desnecessariamente as barreiras.
Participamos de inúmeras formas de comunicação em grupos e organizações, mais ou menos significativas. Em cada uma das organizações, como, por exemplo, as ligadas ao trabalho, à educação, ao entretenimento, desempenhamos papéis mais “profissionais” - em que mostramos competência, conhecimento em áreas específicas - e outros papéis mais pessoais. Um médico, mesmo que esteja conversando num bar de um clube de tênis, continuará sendo visto pelos outros como um profissional da saúde e pesarão mais as suas opiniões sobre uma determinada doença do que as de um colega engenheiro sentado ao seu lado.
Essa competência maior ou menor e a forma como a exercemos - com mais ou menos simpatia - facilita ou dificulta a nossa comunicação no campo organizacional. Podemos ser vistos como pessoas competentes, mas de difícil convivência, ou muito simpáticos, mas pouco inteligentes.
Nos vários ambientes que freqüentamos, nos comunicamos como pessoas realizadas ou insatisfeitas, abertas ou fechadas, confiantes ou desconfiadas, competentes ou incompetentes, egoístas ou generosas, éticas ou a-éticas. Além disso nos expressamos como homens ou mulheres, jovens ou adultos, ricos ou pobres. Todas essas variáveis interferem nos vários níveis de comunicação pessoal, grupal e organizacional e expressam o nível de aprendizagem que atingimos como pessoas.
HENRI WALLON

1.1 – Breve biografia de Henri Wallon

Galvão (2004) relata que Wallon nasceu na França em 1879. Viveu toda sua vida em Paris, onde morreu em 1962. Em 1902, aos 23 anos, formou-se em filosofia pela Escola Normal Superior.
Henri Wallon viveu num período marcado por muita instabilidade social e turbulência política, duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), atuando intensamente na Resistência Francesa foi perseguido pela Gestapo, polícia política dos nazistas, obrigando-o a viver na clandestinidade, interrompendo suas atividades acadêmicas.
Cursou medicina e formou-se em 1908. Até 1931 atuou como médico em instituições psiquiátricas, dedicando-se ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e distúrbios comportamentais. Em 1914, mobilizado como médico do exército francês, permaneceu por vários meses no front de combate. O contato com lesões cerebrais de ex-combatentes o fez rever algumas concepções neurológicas que havia desenvolvido no atendimento d e crianças portadoras de deficiências.
De 1920 a 1937 é o encarregado de conferências sobre psicologia da criança na Sorbonne e em outras instituições de ensino superior. Em 1925, funda um laboratório destinado à pesquisa e atendimento clínico de crianças ditas ‘anormais’.
Por 14 anos o Laboratório de Psicobiologia da Criança funcionou junto a uma escola na periferia de Paris e só em 1939 mudou-se para sua sede definitiva, onde funciona até hoje.
Ainda em 1925, Wallon publica sua tese de doutorado intitulada A criança turbulenta. De 1939 a 1949, lecionou no Colégio de França, menos no período de 1941-44, durante a ocupação alemã.
Em 1948, cria a revista Enfance, com pesquisas em biologia e informações para os educadores.
Escreveu diversos artigos sobre temas ligados à educação, como orientação profissional, formação do professor, interação entre alunos, adaptação escolar, participando do Grupo Francês de Educação Nova – que presidiu, de 1946 a 1962.
Integrou também a Sociedade Francesa de Pedagogia – que presidiu de 1937 a 1962.
Durante a Resistência, envolveu-se em discussões sobre a reforma do sistema de ensino francês. Logo após a Libertação, foi designado pelo Conselho Nacional da Resistência, como secretário-geral da educação nacional, por um período de um mês, até a nomeação de um ministro por parte do governo de De Gaulle.
Ainda em 1944, Wallon foi chamado a integrar uma comissão integrada pelo Ministério da Educação Nacional, encarregada da reformulação do sistema de ensino francês. Assumiu a presidência da comissão, resultando num ambicioso projeto de reforma do ensino, o Plano Langevin-Wallon. Esse projeto, cuja versão final foi redigida por Wallon, é a expressão mais concreta de seu pensamento pedagógico.

1.2 – Wallon e a Psicologia Genética

Wallon é autor da teoria psicogenética e interacionista do desenvolvimento, ou seja “a integração organismo-meio e a integração dos conjuntos funcionais; emoções, sentimentos e paixão; o papel da afetividade nos diferentes estágios” (VIVER mente&cérebro, Coleção Memória da Pedagogia, Edição Especial n. 6, por Abigail Alvarenga Mahoney e Laurinda Ramalho de Almeida, p. 57)
A psicologia genética é um estudo focado nas origens, na gênese dos processos psíquicos. Conforme Galvão (2004), Wallon propõe o estudo integrado do desenvolvimento – afetividade, motricidade, inteligência -, como campos funcionais entre os quais se distribui a atividade infantil. O homem é um ser “geneticamente social”. É a psicogênese da pessoa completa.

1.3 – Integração Organismo - Meio

Estudar a criança contextualizada nas relações com o meio, avaliando a dinâmica de determinações recíprocas. Wallon ressalta que é necessário recorrer a outros campos do conhecimento, como a neurologia, a psicopatologia, a antropologia e a psicologia infantil para compreender o desenvolvimento infantil à luz da psicogenética.
Para Wallon o meio é um complemento indispensável ao ser vivo, que supre suas necessidades e as suas aptidões sensório-motoras e, depois, psicomotoras.
É um processo dinâmico de mutação constante pela presença de novos meios, novas necessidades e novos recursos que aumentam possibilidades de evolução do indivíduo, que interage com novos desafios e aprendizados.

1.4 – Wallon e os Domínios Funcionais

Identifica como domínios funcionais as etapas percorridas pela criança: Afetividade, Ato motor, Conhecimento (ou Cognição) e da Pessoa.
O conjunto afetivo são funções responsáveis pelas emoções, sentimentos e paixão.
O conjunto ato motor refere-se à possibilidade de deslocamento do corpo no tempo e no espaço, as reações posturais e equilíbrio corporal.
O conjunto cognitivo são funções voltadas para a conquista e manutenção do conhecimento, por meio de imagens, noções, idéias e representações. É o que permite registrar e rever o passado, avaliar e situar o presente e projetar o futuro.
O conjunto pessoa representa a integração de todas funções e possibilidades.

1.5 – Estudo da Afetividade, Emoção, Sentimento e Paixão

“A afetividade refere-se à capacidade, à disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo/interno por sensações ligadas a tonalidades agradáveis e desagradáveis.” (GALVÃO, 2004)
A teoria da afetividade aponta para três momentos: emoção, sentimento e paixão. Na emoção predomina a ativação fisiológica, no sentimento a ativação representativa e na paixão a ativação do autocontrole.
A expressão corporal das emoções é o destaque da análise walloniana, ao sugerir que todas as emoções podem ter uma vinculação recíproca entre o tônus, o movimento e a função postural: a cólera vincula-se ao estado de hipertonia, no qual há excesso de excitação sobre as possibilidades de escoamento.
A alegria é um estado de equilíbrio e de ação recíproca entre o tônus e o movimento, é uma emoção eutônica. Na timidez, há hesitação dos movimentos e incerteza de postura, um estado de hipotonia, como em estados depressivos. Um tipo de emoção hipertônica, geradora de tônus, é a ansiedade.
As situações afetivas são prazerosas porque o fluxo tônico se eleva e se escoa imediatamente com movimentos expressivos.
Um estado de desequilíbrio ou crise emocional tem impacto direto sobre as ações. Sob o efeito de emoções descontroladas também se perde o comando das ações.
Mas a tendência “é que os efeitos da emoção se desvaneçam caso não haja reações por parte do meio, ou seja, na ausência de uma ‘platéia’ as crises emocionais tendem a perder sua força, como uma criança que pára de chorar quando percebe que está sozinha.” (GALVÃO, 2004)
Para Wallon as emoções tem um poder de contágio nas interações sociais, evidenciando o seu caráter coletivo, facilmente identificado nos jogos, danças, rituais, onde há simetria de gestos e atitudes, movimentos rítmicos, comunhão de sensibilidade, uma sintonia afetiva que mergulha todos na mesma emoção.
A afetividade origina-se das sensibilidades internas de interocepção (ligada às vísceras) e de propriocepção (ligadas aos músculos) responsáveis pela atividade motora. Essas sensibilidades são reativas às influências externas, chamadas de exterocepção, e que se transformam em sinalizações afetivas caracterizadas como medo, alegria, tranqüilidade, raiva, ira, fúria...
Para Wallon os espasmos do recém-nascido não são apenas um ato muscular, de contração dos aparelhos musculares e viscerais: existe bem-estar ou mal-estar tanto no espasmo como na sua dissolução. Tensão é provocada pela energia retida e acumulada: riso, choro, soluço aliviam a tensão dos músculos.
Wallon identifica, então o processo de alternância na predominância dos conjuntos, em cada estágio de desenvolvimento, por ele classificado em impulsivo-emocional (0 a 1 ano), sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos), personalismo (3 a 6 anos), categorial (6 a 11 anos), puberdade e adolescência (11 anos em diante). O conjunto afetivo é mais evidenciado nos estágios personalismo, puberdade e adolescência..
Também identifica a alternância de direções, ou seja, no impulsivo-emocional, personalismo, puberdade e adolescência o movimento que predomina é o do afetivo para dentro, para o conhecimento de si. E no sensório-motor e projetivo e categorial predomina o cognitivo, para fora, conhecimento do mundo exterior.
Para Kirouac (Traité de psychologie experimentale)
“...há um certo acordo para discriminar emoções de outros processos afetivos: processo afetivos são todos os estados que fazem apelo a sensações de prazer/desprazer ou ligados a tonalidades agradáveis/desagradáveis; emoção é um estado afetivo, comportando sensações de bem-estar ou mal-estar, que tem um começo preciso, é ligado a um objeto específico, de duração relativamente breve e inclui ativação orgânica.” ( VIVER mente&cérebro, Coleção Memória da Pedagogia, Edição Especial n. 6, por Abigail Alvarenga Mahoney e Laurinda Ramalho de Almeida, p. 60)